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Perfil/Vanda Pantoja: “A pesquisa tem poder de redefinir valores identitários”

Por Luziel Carvalho

“Odeio esse mapa entre nós”. A frase, encontradas na dedicatória da tese de Vanda Pantoja, diz muito da trajetória dessa professora e pesquisadora da Universidade Federal do Maranhão (UFMA) em Imperatriz.  É do rompimento dessas distâncias que a vida de Pantoja se traduz enquanto geografa, antropóloga, professora, pesquisadora e mãe, entre as idas e vindas difusas desses papéis sociais.

Como ela diz, pesquisar, ensinar ou educar é aproximar conhecimentos, assim como, é rejeitar qualquer projeto de exclusão ou isolamento social das pessoas ou de si mesmo. Para ela, um antropólogo não é quem fala pelo outro, e sim aquele que se coloca como canal, para traduzi-lo em suas experiências de vida e compreensões de mundo. Em outras palavras “é um ser obstinado pelas entrelinhas, pela busca de significado e por uma construção científica baseada na sensibilidade”.

Vanda morou em Marajó até os onze anos de idade quando parte da família resolveu mudar-se para Belém. Fez vestibular em 99, passando para Geografia, quando teve seu contato inicial com o ensino superior. “Nos primeiros semestres eu me identifiquei muito com a experiência universitária, parecia que eu estava ali o tempo todo. Me parecia algo muito comum, muito normal, e eu gostava daquela experiência. Me tornei bolsista no segundo período do curso e permaneci com o mesmo orientador da iniciação científica até o meu doutoramento. Foi uma parceria muito longa. Heraldo Maués, é uma das pessoas mais responsáveis pelo processo formativo que tive. Tenho uma grande admiração, gratidão e respeito profundo por todas essas oportunidades. Um orientador pode ter esse papel na vida de um orientando e possibilitar essas oportunidades”.

Vanda Pantoja é bacharel e licenciada em Geografia, mestre e doutora em Antropologia, todos os títulos advindos de sua formação na Universidade Federal do Pará – UFPA. É professora no Programa de Pós-Graduação em Sociologia e no curso de Licenciatura em Ciências Humanas da Universidade Federal do Maranhão – UFMA. Atualmente coordena e desenvolve trabalhos no Núcleo de Estudos Sociedade e Cultura na Amazônia Oriental – NESCAO, junto aos professores Emerson Rubens, que coordena estudos sobre questões indígenas do Amarante; Rogério Veras, que orienta trabalhos biográficos religiosos, que compreendem personalidades que atuam no cenário religioso local; e Salvador Tavares, que é responsável pelo estudo das religiões de matriz africana a partir do mapeamento dos terreiros em nossa região. O núcleo tem como perspectiva compreender experiências de seguimentos sociais muito estigmatizados e pretende abrigar outros professores que estejam interessados em pesquisar temas relacionados. Vanda também é participante do grupo de pesquisa Simbolismo, Religião e Saúde da UFPA.

“Eu não vou ensinar que as condições que se vive em um lugar, são vontade de Deus, porque não é vontade de Deus que seus filhos passem sede e outras dificuldades advindas da falta d’água”

A professora pesquisou desde sua graduação temáticas relacionadas à religião e enfatiza que o assunto precisa ser discutido, pois, além de ser fundamento da base educativa em todas as sociedades, também são alicerces morais e culturais. Portanto, é necessário debater religião para elucidar a história da humanidade e nos compreendermos, sendo importante contrapor-se ao que diz senso comum de que religião não se discute. “Representamos muito bem uma sociedade que não se preocupa em discutir essas questões. Todos nós temos em nossa formação algum viés religioso, e ao discutir religião, estamos discutindo a própria sociedade. Não se consegue entender a sociedade em sua totalidade, se você não a compreende do ponto de vista religioso. A religião é uma dimensão privilegiada para esse entendimento, porque tudo que você faz é permeado por uma moral religiosa. Religião é a instituição, deste modo, você a discute enquanto tal, não enquanto fé do sujeito”, afirma a pesquisadora.

Em sua dissertação fez estudos sobre o mercado religioso no Círio de Nazaré, bem como investigou as estruturas de sua organização, em que as relações de mercado são igualmente voltadas ao lucro, de modo que, há uma racionalidade empreendedora e um funcionamento similar ao de uma empresa capitalista, em que existem acordos e contratos buscando a maximização de retorno financeiro. Leva-se também em consideração, as relações de reciprocidade e solidariedade que coexistem, embora a relação econômica seja hegemônica. Elucida que os indivíduos fazem suas escolhas religiosas baseados no custo-benefício que uma religião pode trazer, seja de bens simbólicos ou material, assim como, pelo grau de confiança que ela desperta em si, produzindo sua devoção.

Para concluir sua tese visitou cerca de 16 municípios, pesquisou a presença religiosa e os avanços do mercado religioso na Região de Integração Marajó, investigando paralelamente a relação entre católicos e pentecostais. Seu trabalho problematiza a incursão religiosa, que não é um fato recente nessa região, que avança desde as duas últimas décadas do século XX, se estabelecendo de forma estratégica, resignificando as relações sociais e introduzindo conflitos de ordem religiosa na disputa de membresia. Os elementos do imaginário presentes na cultura local foram demonizados a partir da perspectiva protestante. Haviam municípios que não podiam fazer educação física, porque não podia ter bola no povoado, e as meninas, não podiam usar short. Os professores que não se adequavam a isso eram devolvidos para as SEMED’s”, relata ela.

Verificou ainda, um forte policiamento religioso que intervia na vida íntima e cotidiana das pessoas. Destacou em entrevista, que a religião pode se tornar, tanto um instrumento de dominação e aprisionamento social, como também, instrumentalizar a libertação das pessoas. Vanda defende que sea religião é levada para um povoado e ali falta água para a comunidade, prega-se a palavra, mas também se ajuda a cavar um poço. Se produz coisas que modifiquem a vida das pessoas. Eu não vou ensinar que as condições que se vive em um lugar, são vontade de Deus, porque não é vontade de Deus que seus filhos passem sede e outras dificuldades advindas da falta d’água”.

Ao assumir sua vaga como docente na UFMA em Imperatriz, Vanda, junto ao NESCAO, segue outra linha de pesquisa e tem se se debruçado mais em temáticas como território e desenvolvimento local. “Desde 2015, estou trabalhando a questão da reestruturação agrária nessa região do Maranhão a partir da perspectiva do materialismo histórico”, esclarece. Nesse momento pesquisa as quebradeiras de cocô e como estas resistem ao processo de mudança produtiva, impactada por uma indústria que se instalou na Estrada do Arroz.

De acordo com Vanda, a Estrada do Arroz sempre fora um espaço de agricultura familiar de subsistência desde os anos 40, e hoje, sobretudo a partir dos anos 2000, entra no circuito global de reestruturação produtiva, em que a indústria passa a ser a “nova vocação” nessa região. A pesquisadora evidencia que esse modelo de desenvolvimento não tem levado em consideração o trabalhado tradicional das quebradeiras de coco e das atividades agrícolas de toda a comunidade, obrigando-os a reconfigurar suas atividades econômicas, e que, diante dessa condição, as quebradeiras resistem dentro de um cenário que não é propício para elas continuarem a existir, ou seja, temos um modelo de desenvolvimento local baseado na exclusão social.

Para ela, uma pesquisa científica na ciência social deve resultar em uma compreensão de mundo inclusiva e libertadora. Quando você deixa de falar somente de objetos, para falar de sujeitos, isso tem uma mudança muito forte na sua prática”, diz ela. Pesquisar, de acordo com Vanda, tem um poder redefinidor de valores identitários, e exemplifica isso tomando como exemplo, sua partida do Marajó na infância, lugar onde retornou posteriormente anos depois, já na condição de pesquisadora. Assim, pôde desvelar novamente aquele universo tão familiar com uma perspectiva teórica amadurecida, que a permitiu identificar-se como marajoara e traduzir isso para si mesma de forma mais lúcida, resgatando a consciência de sua identidade. Lembra oportunamente que “o Marajó tem esse brilho turístico muito comentado por todos, mas poucos percebem, que o dia a dia das pessoas ali é muito difícil. Há uma carência muito grande de oportunidades. Você não tem Estado presente.”  

Perguntada sobre suas realizações de vida, Vanda destaca que não se sente realizada apenas pela ruptura com a pobreza, já que viera de família pobre. Admite que a formação lhe permitiu galgar uma condição de vida satisfatória, e que para além disso, valoriza intrinsecamente o fato ter superado a penúria do pensamento acrítico e a crença no destino. Segundo ela, fazemos nossa própria trajetória e somos responsáveis, por aquilo que entendemos como felicidade. Aponta também, que a universidade quando se engaja nas questões sociais, cria um canal para veicular e esclarecer cientificamente a realidade ao seu redor, e ao evidenciar causas nesse processo, é capaz de gerar muita força nelas e dar valiosas contribuições nesse sentido. Vanda é o perfil de uma docente que não se prende aos muros da sala de aula ou às cercas acadêmicas. Entende que a universidade não pode, nem deve, se tornar um ambiente claustrofóbico, já que esse universo tem como função social produzir autonomia, liberdade e criticidade, além, de ser capaz ouvir, dialogar e, na medida do possível, intervir socialmente.

 

 

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