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Grandes projetos e populações tradicionais na Amazônia: a Suzano no Maranhão

Comunidades reunidas que moram aos redores da estrada do arroz

Por João Lucas Pantoja de Souza

Professora adjunta da Universidade Federal do Maranhão, Campus II, Vanda Maria Leite Pantoja é Doutora e Mestre em Antropologia, líder do Núcleo de Pesquisa sobre Religião e Religiosidade da Universidade Federal do Maranhão, Membro do grupo de pesquisa Simbolismo, Religião e Saúde do Departamento de Antropologia da Universidade Federal do Pará e Núcleo de Estudos Sociedade e Cultura na Amazônia Oriental NESCAO. Atua nos seguintes temas de pesquisa: Catolicismo Popular, Pentecostalismo, Território e Desenvolvimento.

Na entrevista a seguir, Vanda Pantoja fala da importância de seu estudo com as comunidades que vivem aos arredores da Suzano Papel e Celulose e os impactos causados pela empresa desde a sua instalação em Imperatriz.

Primeiramente conte-nos um pouco mais sobre o seu artigo “Grandes Projetos e populações Tradicionais na Amazônia: a Suzano Papel e Celulose no Maranhão” publicado no final de 2016 junto ao Professor e Pesquisador da UFMA Jesus Marmillino Pereira.

A ideia do artigo era tentar iniciar uma discursão a partir de um ponto de vista critico das repercussões sócio-espaciais da empresa na região, especificamente em Imperatriz. De inicio ficou pensado que, sobretudo na região da estrada do arroz, não se fala dos impactos que acontecem lá, não se fala das pessoas que moram lá, nossa ideia é tentar perceber esses impactos que podem ser positivos e negativos, partindo da área em que a empresa está instalada, que no caso é na estrada do arroz, o objetivo principal era esse, era colocar isso em discursão, a gente não dá conta dela, não conseguimos finalizar ela, e esperamos também que a universidade assuma essa responsabilidade, uma instituição que produz conhecimento, ela precisa ter essa responsabilidade de estar averiguando essas questões, é função dela.

Existe algum motivo pelo qual levou a senhora a pesquisar sobre essas comunidades tradicionais da Amazônia e escrever um artigo?

O que levou a gente a pesquisar sobre esse assunto foi exatamente essa ideia hegemônica e generalizada de que empresas significa desenvolvimento, na verdade esse artigo faz parte de um projeto de pesquisa, aprovado pela UFMA, com bolsista trabalhando, então o artigo é um produto desse projeto de pesquisa, e a ideia é desconstruir, a partir de uma visão critica, central e eurocêntrica, a noção de desenvolvimento que projetos como esses trazem. Há a ideia de que a empresa, a ser instalada na cidade, geraria como num piscar de olhos, como de forma natural, o desenvolvimento, e sabemos que não é assim, porque experiências como essas já aconteceram em outros lugares da Amazônia Oriental, a instalação da Suzano em Imperatriz faz parte do que na literatura regional é chamado de grandes projetos na Amazônia, e todas essas experiências são extremamente nocivas para as populações, a exemplo da Vale em Barcarena no Pará e em Açailândia no Maranhão.

Na instalação dessas empresas geram números positivos para o Estado? Sim, aumenta a riqueza do município? Sim, acreditamos que aumenta, mas o custo é a total destruição do modo de vida dessas populações e, sobretudo, a tensão que esses empreendimentos geram aos recursos naturais, e o nosso objetivo no artigo é mostrar essas questões que o Estado, políticos e empresários não mostram, porque não é do interesse deles.

A senhora e o seu grupo de pesquisa entraram em contato com a Suzano Papel e Celulose a fim de colher mais informações antes da publicação do artigo?

Não, a gente não parte da Suzano, nosso ponto de vista parte das populações da estrada do arroz, a Suzano é uma multinacional, ela tem uma pagina na internet muito bem feita, ela tem os políticos pra defender ela, ela tem o Estado pra fazer propaganda para ela, e ela já tem no imaginário social maranhense e sobre tudo Imperatrizense a ideia de que ela trouxe desenvolvimento, então não é de nosso interesse ver essa questão do ponto de vista da Suzano, o ponto de vista dela já tem muita repercussão, o que nós queríamos era dar visibilidade exatamente para a população que não tem esse tipo de entrada na sociedade, ninguém fala por eles, eles não tem a rádio, televisão e políticos, para fazer a denuncia dos problemas que a empresa gera na vida deles, então a ideia era ver essa questão do ponto de vista dos moradores, e isso é claro para nós.

Houve alguma reação/resposta por parte da assessoria de comunicação que cuida dos interesses da Suzano Papel e Celulose logo após a publicação do artigo?

Eu nem sei se eles leram o artigo (risos), nossa repercussão acaba sendo muita limitada, na própria universidade muito dos meus colegas não tem conhecimento algum sobre o artigo, muitos alunos não sabem, mas nos debates na própria sala de aula e em eventos acadêmicos percebe-se a importância e a relevância de pesquisas dessa natureza. Nosso reconhecimento é bem limitado, mas ainda sendo limitado achamos que essa é a forma que podemos intervir na sociedade, não sou dona de canal de televisão e nem de radio, a única coisa que sei fazer é escrever artigos, infelizmente as pessoas não tem o hábito de ler muito, mas creio que a Suzano não tem o conhecimento desse artigo.

 O que é a escrita de dois professores do Nordeste do Brasil falando sobre as repercussões negativas de uma empresa num lugar em que os políticos e a maioria só falam bem?! Provavelmente não temos muita repercussão para a empresa, mas a respeito que adquirimos na comunidade é muito boa, quando tem algum problema, nós somos as pessoas que eles acham que pode fazer alguma coisa por eles, e isso para nós é muito importante.

Levou quanto tempo desde o início da pesquisa até a publicação do artigo e quais as experiências vividas? Foi desafiador o recolhimento de informações?

Bem, começamos isso quando conseguimos aprovar o projeto na UFMA em 2015, então começamos a fazer as pesquisas e tudo foi finalizado e publicado em dezembro de 2016.

Sobre os moradores, não houve qualquer dificuldade, na verdade eles querem falar, eles querem alguém que escute os problemas deles, hoje os problemas que estamos enfrentando é em relação aos limites da nossa formação, lá nos povoados eles estão com muito problema com a escassez de agua nos poços dos seus quintais, eles tem problema no riacho em que eles pescavam onde os peixes estão aparecendo mortos e existe um odor muito forte na comunidade que é causado pela empresa, à mesma já reconheceu esse odor, mas diz que faz o possível para minimizar e que está controlado, então o maior desafio no momento é encontrar parcerias que entendam dessas áreas, estamos tentando uma parceria com UEMASUL, e estamos procurando pessoas para auxiliar nas áreas que não conseguimos, como por exemplo, um biólogo para verificar o porquê dos pés do cajueiro dar cajus todos estragados assim que brota, esse é o tipo de problema que não temos como auxiliar, pois não temos o conhecimento técnico. Demanda tem, só não saberemos se iremos conseguir parcerias para darmos continuidade nesses outros aspectos que não damos conta.

A senhora pretende expandir mais esse assunto? Trabalhos e projetos com mais colaboradores?

Sim, Nesse artigo apontamos os limites desse modelo de desenvolvimento, que chamamos de capitalcentrista, depois desse, elaboramos um trabalho que vamos mostrar como Imperatriz estava ansiosa no momento da chegada da Suzano e trabalhamos com o jornal O Progresso, com as declarações dos políticos e dos empresários locais anunciando a empresa, e esse anúncio foi feito em um tom salvacionista, tem até um importante politico que diz que não sabe o que seria de Imperatriz se não fosse a chegada da empresa, como se ela fosse a redenção, e tem outra fala de outro politico, inclusive tá nos jornais onde ele diz que enfim chegou o desenvolvimento na cidade, agora Imperatriz cresce.

Esse novo artigo está pronto e será apresentado em um evento internacional que acontece agora em Novembro no Pará e será publicado nos anais, nesse artigo estamos essencialmente preocupados em discutir o conceito de desenvolvimento e como ele foi construído aqui na cidade.

Em um parágrafo do seu artigo “Grandes Projetos e populações Tradicionais na Amazônia: a Suzano Papel e Celulose no Maranhão” a senhora cita um termo usado por Arturo Escobar “capitalcentrista” que vem de uma teoria crítica ao conceito de desenvolvimento, poderia explicar melhor o termo inserido no artigo?

A escolha de cada autor para contribuir com a perspectiva do artigo foi proposital, estamos pensando dentro de uma abordagem decolonial, que desconstrói a própria ideia de desenvolvimento, essa perspectiva de desenvolvimento que temos hoje pautada sobre tudo na matriz industrial, que traz grandes projetos para a Amazônia não só para o Maranhão, queria enfatizar que essa aqui em Imperatriz não é especifico nosso, a Amazônia toda na década de 50 pra cá vem passando por esse processo, esses grandes projetos geram muita riqueza, mas pra quem? Essa é a grande questão, ela não fica com a população, a ideia do capitalcentrismo é a critica a esse modelo de desenvolvimento que, querendo ser hegemônico, desconsidera qualquer alternativa de desenvolvimento local pautado nos saberes dos próprios agentes. A população da estrada do arroz é uma população de cultura de subsistência, eles plantavam praticamente tudo que era possível, eles não eram eminentemente camponeses no seu sentido puro, por que além deles lidarem com a terra, eles faziam outras coisas como pequenos bicos, trabalhavam em fazendas, eram vaqueiros, pescadores, eles eram aquele trabalhador polivalente, mas eles tinham um modo de vida peculiar.

 A ideia era que eles eram subdesenvolvidos pobres e atrasados, ai chega esse empreendimento que traz um modelo de desenvolvimento que de cara tira a terra deles. Desenvolvimento é um conceito muito mais amplo, e na verdade o que a Suzano traz para Imperatriz e Maranhão é crescimento econômico, se for fazer essa leitura pelos números e balança comercial do que importa e exporta é positivo sim, vai depender muito da perspectiva que você tem de desenvolvimento, se você for com um economista positivista e for analisar esse processo, ele vai afirmar com toda a certeza que Imperatriz desenvolveu só que desenvolvimento é diferente de crescimento econômico, crescimento econômico é quando existe um aumento no PIB, houve um crescimento, mas não houve uma divisão do mesmo com a população, então aqui nada vai mudar. A ideia de desenvolvimento é falsa. 

Por fim, mas não menos importante, a senhora consegue ver pontos positivos na instalação da Suzano Papel e Celulose no Maranhão?

 Sim, tem pontos positivos, um deles é que em 2013 a estrada do arroz foi asfaltada, antes era intrafegável, era uma espécie de transamazônica, com o acesso completamente comprometido, sobretudo nas épocas de chuva, então a empresa chegou e o Estado precisou entrar com serviços de infraestrutura, o asfaltamento da estrada está nesse contexto. Isso que beneficiou a empresa também foi positivo para a população, antes o descolamento da lá até Imperatriz levava cerca de três a quatro horas, hoje esse deslocamento é feito em trinta minutos. Mas o custo disso tem sido muito alto para as pessoas e para o meio ambiente.

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