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Estudo analisa uso dos números nas reportagens e distanciamento do jornalista com a matemática

por Paulla Monteiro

A ideia equivocada que o jornalismo é uma área que não precisa da matemática é recorrente na maioria das pessoas. Cada vez mais os números são utilizados nos textos como forma de precisão, de verdade, mas o modo que os profissionais da área fazem a apuração é superficial. É o que aponta a pesquisa realizada pelo professor e pesquisador da Universidade Federal do Maranhão, Marco Antônio Gehlen, que aborda em sua tese do doutorado a temática “Jornalismo de (im)precisão: o conhecimento matemático e a apuração de números”.

Com a percepção desse contexto, a pesquisa desenvolvida durante quatro anos foi publicada no ano de 2016 no repositório da PUC/RS (Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul) tem ao todo 320 páginas e abrange principalmente o distanciamento do jornalista com números, a necessidade de uma matemática básica instrumental e a relação com o jornalismo de dados, bem como os números integram a construção da notícia. Confira abaixo sua entrevista.

O que te levou a trabalhar ligando uma área de humanas com exatas? Qual a relação do jornalismo com o conhecimento matemático?

Trabalhei muitos anos dentro de redações jornalísticas fazendo reportagens e percebi que diferentes editorias, seja economia ou rural, bem como polícia, esportes e cidades, entre outras, utilizam muito os números. Jornalistas, meus colegas de redação, assim como os graduandos da universidade, tinham muita dificuldade em lidar com números e observei que são dificuldades desde questões básicas e/ou elementares de matemática, como regra de três simples ou cálculo de percentagens etc. Claramente, a maioria dos profissionais do âmbito jornalístico possui um distanciamento desse olhar quantitativo. Mas, esse distanciamento ou falta de atenção aos números, juntamente com o preparo limitado para lidar com os cálculos, fez com que eu notasse que, além das deficiências de cada um, a matemática em algum momento deve ser instrumental, o profissional precisa saber minimamente dela para conseguir desenvolver determinadas pautas.

O que define o jornalismo de dados e sua relação com a matemática?

O jornalismo de dados tem atuado, entre outras coisas, sob grande quantidade de dados em base de dados online. Neste contexto, se o jornalista não tiver capacidade de interpretação mínima em matemática ou um olhar quantitativo, sequer pode perceber que em determinado conjuntos de dados e informações numéricas há uma grande pauta, um grande furo de reportagem. Então, fui olhar criticamente para a capacidade que os jornalistas têm de lidar com matemática, de apurar números, para a importância na formação jornalística de aprender a trabalhar com a matemática e para o distanciamento que as faculdades têm disso. Durante minha análise, vi como os números estão presentes nas notícias. As pessoas imaginam, por exemplo, que somente o jornalismo econômico tem números, mas encontrei até mais números em outras editorias do que no jornalismo econômico em algumas análises que fiz. Encontrei também diferenças entre o uso de números nas reportagens e nas notícias: nas reportagens aparecem mais e de modo mais analítico, pois exige-se um tratamento mais aprofundado com o número explorando sua condição de pressupor “prova” precisa do que está sendo retratado, ainda que não seja correto.

Por que o nome Jornalismo de (im)precisão?

Bom, temos uma crença de que o número é preciso, que representa algo objetivo, claro, direto e correto… Mas, na realidade, a forma como nós reproduzimos o número no jornalismo, sendo pouco apurado ou apenas acreditando no que a fonte declara, acabamos transformando uma informação que pode ser bem precisa em algo “impreciso” e/ou incorreto. Por isso brinco com o nome jornalismo de (im)precisão. Pressupõe precisão, mas pode contar grandes erros. Existe uma teoria da década de 1970 chamada Jornalismo de Precisão que fala do uso de métodos científicos pelo jornalismo como modo de aprofundar as apurações e informações, usando mais as técnicas cientificas consagradas, como a estatística, entre outras, e eu recorro a essa teoria na tese. Então, fiz uma brincadeira resgatando o nome, pois o que estamos fazendo, em muitos casos, é um jornalismo de imprecisão quando lidamos com números. Algo que poderia ser bem preciso, tratamos com certa leviandade a partir de um jornalismo meramente declaratório, no qual acredita-se demasiadamente nos números, infelizmente, sem questioná-los.

No que se baseia a tese?

Os elementos que são interessantes de ressaltar são: Jornalismo de imprecisão, como uma “brincadeira” do preciso com o impreciso; e o conhecimento matemático e a apuração de números, que questiona e se debruça justamente sobre qual o conhecimento matemático que eu, jornalista, tenho e como estou checando números. As questões que permeiam o trabalho levam a seguinte reflexão: você, jornalista, está apurando números ou só replicando eles? E se tiver que se preocupar com apuração de números diante dessa nova possibilidade do jornalismo de dados, por onde e como começar? A questão é: o que o jornalista precisa compreender minimamente para ser alguém que, realmente, questiona, desconstrói números e dados, ou seja, apura e checa, antes de publicar?

O que essa era digital trouxe de mudança no jornalismo de dados?

Com os novos formatos no jornalismo, somos cada vez mais cobrados a compreender melhor essa área repleta de informações em potencial. Com as bases de dados cada vez mais disponíveis e a crescente cobrança e preocupação das entidades e dos órgãos governamentais em promover transparências de seus dados públicos, exige-se do jornalista uma capacidade maior em olhar e interpretar os números, inclusive para perceber possíveis pautas. Hoje, temos uma vastidão de informações que antes não tínhamos, pois o conhecimento era limitado a uma biblioteca física e morosa, mas, atualmente, temos um conjunto de dados gigantesco com inúmeras planilhas e diferentes formas de acesso a várias informações. Isso altera o modo como o jornalista pode operar com dados.

De que forma o jornalismo de dados tem adentrado na produção jornalística?

Há grandes exemplos de reportagens, nos últimos anos, que inclusive ganharam prêmios utilizando jornalismo de dados, com apuração partindo de plataformas gigantescas de dados, nas quais, por meio da observação, questionamento e confrontação de números, chegou-se a pautas valiosas. Um grande exemplo de ser citado, que menciono também na tese, é a Farra do Fies, série de reportagens que ganhou o Prêmio Esso em 2015, quando um grupo de jornalistas do Estadão Dados (departamento de jornalismo de dados do Estadão) investigou os gastos do Governo Federal com o FIES. A equipe pesquisou os dados em plataformas com acesso livre, ou seja, qualquer repórter poderia pesquisar, e percebeu valores atípicos repassados a universidades, superiores até mesmo aos repasses a grandes construtoras ou outros segmentos que tradicionalmente recebem aportes elevados. A partir disso, a equipe investigou o que havia por trás dos valores, partindo então de um número que chamou atenção, de modo que se alguém não se atentasse a esses dados, não haveria a série de reportagens.

“Sem a junção da técnica com o conhecimento, sem combinar a análise estatística com a experiência profunda em educação, a farra do Fies existiria, mas sua história não”, afirma o jornalista José Roberto de Toledo, que participou da construção da reportagem Farra do Fies.

*Premio ESSO (é a mais importante distinção conferida a profissionais de imprensa no Brasil)

Link completo da tese:

http://repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/9501/1/000481373-Texto%2bCompleto-0.pdf

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