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Dissertação discute tensões acerca da construção da Usina Hidrelétrica de Estreito no Maranhão

Por Nandara Melo

Em 2008, iniciou – se o processo de construção da Usina hidrelétrica de Estreito, que se localizava á 750 km da capital São Luís. Neste cenário, existiram diversas partes não declaradas propriamente, mas que estavam intensamente inseridas nos embates por aquele espaço.  A dissertação tem por tema: “Vozes em movimento: Os sujeitos no debate sobre a Usina Hidrelétrico Estreito” e visa compreender e explanar como os discursos foram construídos e posicionados pelos sujeitos das esferas de Mercado, Estado e Sociedade Civil, que estavam inseridos neste contexto.

Ela foi produzida por Lígia Regina Guimarães Clemente, em seu mestrado em Comunicação e Cultura Midiática pela Universidade Paulista (UNIP), defendida em 2016, sob orientação da profª Drª Carla Reis Longhi. Na defesa da qualificação, a pesquisa foi indicada para aprovação para o doutorado-direto, mas por questões de regimento do Programa, foi concluída como dissertação de Mestrado e foi finalista do Prêmio Compós 2017, promovido pela Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação (Compós), na categoria Melhor Dissertação de Mestrado.

Lígia Guimarães é Editora de Publicações da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), onde atua como editora do Núcleo de Assessoria de Comunicação (Ascom) e supervisora técnica de estágio do setor da UFMA – campus Imperatriz.

Confira a seguir, a entrevista completa.

Qual foi o fator que despertou em você interesse para fazer essa pesquisa?

Lígia Regina Guimarães Clemente: Eu tive uma experiência profissional na própria construção da Usina Hidrelétrica de Estreito em 2008. Trabalhei na Assessoria de Comunicação e antes no jornal O Estado do Maranhão, como repórter, e hoje, eu moro em uma região que é indiretamente atingida. Então, eu permeio por esses diversos espaços.

Já atuei como jornalista e entendo um pouco de como que é o modus operandis do jornal O Estado (que é também um dos meus objetos). Dentro da hidrelétrica percebi as tensões: o que se tentava silenciar e o que era interessante ressaltar, do ponto de vista institucional. E hoje como moradora próxima ao rio Tocantins, vejo algumas questões dessa sociedade perante à usina.

Eu percebi já em 2008 (que foi o período de implantação da usina), que ali tinha um importante objeto de estudo, percebi todas essas tensões, essa arena de debate. E em 2014, quando fui fazer o projeto de mestrado, o contexto já havia mudado, então eu pude obter um olhar mais distanciado da situação e me colocar enquanto pesquisadora dentro do ponto de vista da Comunicação.

Qual a importância dessas ponderações em nível de sociedade?

LC: Entender esse discurso como prática social e de poder. Perceber o feixe de relações históricas e institucionais de onde emergem esses discursos, compreender algumas práticas que precedem a construção de uma Usina.

Já que a justificativa de se construir usinas é o argumento do desenvolvimento, tentar compreender o que está se falando e perceber como isso rege o discurso do mercado e do estado.

Também desenvolver uma discussão sobre a matriz energética do país e de onde são provenientes as nossas fontes de energia. Perceber as ferramentas que a sociedade utiliza para ter acesso à discussão sobre a implantação de um grande empreendimento. Como essa sociedade se manifesta? Ela pode falar? Ela participa de audiências públicas?

Na esfera da mídia, observar como ela se comporta. Como ela reverbera esses discursos. Ela só reverbera o discurso institucional do mercado e do estado ou ela coloca as questões dos atingidos por barragem, por exemplo? Essa imprensa escuta essa sociedade? Ela dá voz a eles?

Sabe-se que discursivamente a implantação da Usina hidrelétrica de Estreito foi associada como sinônimo de desenvolvimento para a sociedade local. Por que você pontua que crescimento econômico não é pressuposto de desenvolvimento social nesse contexto?

LC: Os teóricos que estudam desenvolvimento analisam a questão sob diversas perspectivas. Uma delas, da qual eu compartilho, é considerar um equívoco mensurar o desenvolvimento como sinônimo de crescimento econômico. Por exemplo, se você tem um alto índice de renda per capita ou de PIB (PRODUTO INTERNO BRUTO), isso seria uma correlação de desenvolvimento? Não necessariamente. A que preço se chegou essa renda per capita? Um desenvolvimento ideal, se é que ele existe, precisaria equacionar diversas dimensões, como social, cultural, ecológica, ambiental, territorial, econômica, de política nacional e de política internacional. Elas precisariam ser ponderadas para se somar neste desenvolvimento, principalmente a liberdade de escolhas.

Quando se pensa que um cidadão tem de ser imediatamente remanejado, estão respeitando a relação dele com aquele espaço? Talvez um equilíbrio entre todas essas questões, seja o caminho para se chegar a esse desenvolvimento (que cosmeticamente vem sendo chamado de desenvolvimento sustentável).

Acerca da mídia, percebeu – se alguma estratégia discursiva de predomínio?

LC: Nós tentamos perceber as Formações Discursivas, perceber o que é recorrente. Quando se organiza um discurso, selecionamos e interditamos aquilo que pode ou não ser dito. Um exemplo é o termo “atingido por barragem”’, ele é carregado semanticamente de lutas daquelas pessoas. Quando se é reconhecido como atingido por barragem, significa que eles foram reconhecidos, que têm direito a indenização.

No discurso do CESTE (Consórcio Estreito Energia) não se usa esta palavra. Interditam essa palavra em todo o seu discurso. O jornal O Estado, muitas vezes, reverbera o que o mercado fala. Assim como CESTE não utiliza o termo “atingido por barragem”, o jornal estado também não. É como se eles estivessem em concordância com o mercado.

Por que em suas colocações, você afirma que a instalação de uma Usina Hidrelétrica, se configura em uma espécie de campo de poder?

LC: Vemos a instalação de um empreendimento de grande porte como esse, como uma grande arena. Essas diversas esferas em embate o tempo todo. Tem – se o aparto institucional do Mercado e do Estado, toda uma legislação que define, que abarca sobre isso; a sociedade civil com suas poucas ferramentas e a imprensa que faz essas leituras.

A própria comunicação do CESTE, já é pré-estabelecida em um plano de comunicação sobre como deve ser feita: prevê que a comunidade impactada, inicialmente contra a Usina, se torne parceira do projeto.

O Próprio Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) se situa numa postura de luta em busca de negociações, indenizações e acordos. Essas esferas estão o tempo todo nessa relação de tensões, negociações, acordos e insatisfações novamente, antes, durante e após a implantação da Usina.

Neste cenário onde o mercado, o estado e a mídia estão em concordância, a notabilidade das questões da sociedade civil não estariam sendo atenuadas?

LC: A cobertura da mídia de uma forma geral sobre assuntos dessa natureza dá menos visibilidade ao homem comum, digamos assim https://i..ian-cialis/. Na cobertura da usina, por exemplo, tiveram vários momentos de tensão, de invasão ao canteiro de obras, de protestos e foram sublimados pela mídia.  Mas essa sociedade civil vai encontrando outros mecanismos de diálogo e representação para conseguir conquistas.

Se observarmos o processo de implantação de usinas historicamente, há algumas conquistas sim. Hoje se tem algumas ferramentas de participação popular como: audiências públicas, comitê de có-gestão, fóruns. Essas ferramentas funcionam plenamente? Não, elas têm várias falhas. Mas antigamente esse processo era dirigido de maneira completamente abrupta. Eles chegavam diziam que iriam construir usinas e as famílias tinham de ser retirar, sem ao menos direito a indenização ou se pensar em mitigação dos impactos ambientais.

Dentro dessa análise das esferas, você notou alguma característica pontual discursiva similar entre elas?

LC: Sim, tentamos buscar o que era recorrente nesses discursos. Tentou se observar como são construídos os discursos sobre esses sujeitos.  Observar quem é o estado, o mercado, a sociedade civil para cada uma e em cada uma dessas esferas e para a mídia local e nacional.

Exemplificando, os discursos do Estado e do Mercado são muito uníssonos. Para o CESTE, na sociedade civil não existem atingidos, é formada de pessoas que sofrem interferências pela Usina, mas que essas interferências podem ser mitigadas e que eles mudaram a vida dessas pessoas para melhor. Tudo isso em prol do desenvolvimento. Para a sociedade civil (analisada sob o ponto de vista do Movimento dos Atingidos por Barragens – MAB), quem é o mercado? É o dono da barragem, formado por multinacionais, que se preocupam mais com suas riquezas e benefícios do que com a sociedade e o estado é o responsável pela barragem e pela condição em que eles estão vivendo. Para o MAB, a sociedade civil, a população atingida vivia do rio, mas que agora sofre esses efeitos negativos.  E que ela só consegue ter alguns impactos abrandados graças à própria atuação do MAB

A imprensa local (o jornal O Estado) reverbera o discurso do Mercado e do Estado e sublima o da Sociedade Civil. Já a imprensa nacional (O Jornal Folha de S. Paulo) questiona sobre como o mercado como conduz todo o processo devido à ineficaz ingerência da esfera do Estado e considera a sociedade civil como impactada, mas passível de ser recompensada caso o Consórcio e o Governo cumpram seu papel de forma efetiva.

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