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Acadêmico de Medicina estuda a Síndrome de Burnout entre Policiais Militares

Por Luziel Carvalho

A Síndrome de Burnout

A Organização Panamericana de Saúde (OPAS), evidencia no relatório “A carga dos transtornos mentais na região das Américas”(2018), que a América do Sul em geral, tem maiores proporções de incapacitação provocadas por doenças mentais. Tanto a OMS como a OPAS recomendam inclusive o aumento de recursos direcionados à saúde mental e instituições psicoterapêuticas, uma vez que as estatísticas globais têm demonstrado um crescimento preocupante de doenças psíquicas, elevando inclusive a questão como uma prioridade na saúde pública em âmbito global.

Doenças como a depressão e a ansiedade têm um impacto econômico significativo e o custo estimado para a economia global, de acordo com dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), é de 1 trilhão de dólares por ano em produtividade perdida. No Brasil a perda chega a 63,3 bilhões, sendo a terceira maior causa de afastamento do trabalho, constituindo-se um dos principais motivos de decadência produtiva que afetam a qualidade de vida, causando queda no rendimento cognitivo, comprometimentos na sociabilidade e perda de renda. Entre 2030 e 2050, as doenças mentais poderão ocupar no mundo um dos principais motivos de afastamento do trabalho de acordo com a OMS. O Brasil tem a segunda maior população com altos níveis de stress no mundo, perdendo apenas para o Japão. A OMS aponta que o assédio e a intimidação no trabalho são problemas comumente relatados que cooperam negativamente e impactam de modo substancialna saúde mental.

Esse acontecimento está profundamente relacionado com a intensificação e mudanças no ritmo de trabalho, principalmente devido às crises financeiras ocorridas cada vez em menor espaço de tempo, forçando, portanto, essa condição. Em consequência disso, desencadeia-se coletivamente um sentimento constante de insegurança financeira, na medida em que, o mercado impõeao profissional o acúmulo de funções, rapidez de adaptabilidade, flexibilidade extrema e comportamentos cada vez mais enquadrados em um perfil. O resultado é o adoecimento mental de uma grande massa de trabalhadores, baixa produtividade,perdas financeiras e esgotamento profissional precoce.

A Síndrome de Burnout é uma doença considerada ocupacional. De acordo com o Ministério da Saúde, afeta principalmente policiais militares, médicos, enfermeiros, assistentes sociais, dentistas, como também, professores, jornalistas e todo umconjunto de profissões que estão expostas ao estresse crônico. A pesquisa da International Stress Management Association no Brasil (ISMA-BR), também traçou o perfil do profissional mais suscetível à síndrome. O ranking coloca em primeiro lugar quem atua com segurança pública. Cerca de 30% dos mais de 100 milhões de trabalhadores brasileiros sofrem com a Síndrome de Burnout, sendo que69% das causas do stress estariam relacionadas ao trabalho. A Síndrome de Burnout não é reconhecida como doença pela OMS,e sim relatada como um fenômeno ligado ao mundo do trabalho, evidenciado nessa matéria publicada recentemente.

Pedro Mario, orientador, e Walber Herênio o realizador da pesquisa sobre a síndrome entre policiais militares em nossa região, explicaram que a síndrome significa esgotamento pleno, não somente enquanto uma condição psicológica que afeta a saúde mental, uma vez que é psicossomatizado, reflete-se no organismo afetando a saúde física, provocando um estado de cansaço e stress constante, oportunizando inclusive, o início de outros problemas psicológicos, ou mesmo, a síndrome pode derivar deles.

Walber esclareceu que a síndromeé um fenômeno multifatorial complexo presente na modernidade, resultante da sobrecarga de papéis sociais que o ser humanotem que desempenhar, assim como, “relacionado a respostas crônicas que organismo tende a dar quando exposto diversos fatores estressores presentes no ambiente de trabalho. A Burnout,se caracteriza pela exaustão emocional,despersonalização e descaracterização da personalidade, alémde baixa realização profissional”, completa.

A Burnout possui três estágios, que não necessariamente obedecem uma mesma ordem durante a instalação da síndrome, muito embora estejam enumerados. Pode ser que a pessoa sinta todos os sintomas integralmente de uma só vez, pois não há um cumprimento cronológico das fases em todos os casos. Os estágios são: o hiperfoco no trabalho, ou seja, o sujeito começa a ocupar exageradamente sua rotina com afazeres laborais, afastando-se de outras atividades. É perceptível o isolamento, a indisposição para eventos sociais ou estar com outras pessoas.

Uma segunda fase é marcada pela ansiedade e irritabilidade, em que a pessoa passa a dar feedbacks sociais pouco apáticos e desproporcionais tanto no trabalho, quanto na vida pessoal. É comumno indivíduo, nessa faseatitudes cínicas eantagônicas ao seu caráter, percebe-se um“descolamento” desua personalidade, perdendo, nesse sentido, a noção sobre quem é (despersonalização), além de apresentar em seu cotidiano sensações como angústia, insônia e crises de pânico.

O terceiro estágio é uma etapa de exaustão físico-emocional e plena apatia. O sujeito tem picos de energia, que logo são convertidos em picos de irritabilidade e ansiedade, resultando em brusco esgotamento mental e físico. Aparecem sintomas de cansaço constante, problemas de concentração e memória, lentidão para tomar decisões simples ou mesmo importantes, além de sentir desinteresse total pelas coisas que o cercam. Assim, a pessoa pode entrar no estado de negação enão dispõe mais de energia para se socializar,além de sentir uma necessidade mais constante de isolamento até de pessoas significativas.Também é parte do quadro de sintomas da síndrome os sentimentos de negatividade e insuficiênciapermanentes dentro ou fora do ambiente profissional, alterações repentinas de humor, longos períodos de irritação e priorização das necessidades dos outros ao invés das suas.

Tanto no segundo, quanto no terceiro estágio a pessoa pode desencadear comportamentos impulsivos para aliviar os sintomas, envolvendo-se com o uso abusivo de álcool, drogas e outras substâncias que causam dependência, ou ainda, ou tentando compensar o problema comendo ou comprando compulsivamente.Walber ao entrevistar policiais, ouviu casos em que o esgotamento sob algumas circunstâncias era tão intenso que as forças físicas não eram suficientes para levantar da cama, além de ombros e corpo muito pesados.

Se um ou mais estágios estão presentes no cotidiano de trabalho, isso pode ser um alerta de que algo em sua rotina está sendo nocivo. É também importante compreender que a Burnout não é somente relacionado ao excesso de trabalho, e sim, um desequilíbrio advindo do excesso de fatores estressores e ausência de fatores protetores que aliviem as pressões nesse sentido. Se há muita exposição ao estresse, o indivíduo deve equilibrar isso criando válvulas de escape em seu cotidiano, de modo que, possa recuperar esse equilíbrio.

A pesquisa de Walber entre policiais militares em uma cidade do Maranhão

Walber Herênio escolheu o tema ao iniciar seus estudos no módulo de psiquiatria do curso de medicina. “Muito do que estava estudando, eu sofri e já vivi, alguns de meus colegas também, e eu, associei e identifiquei isso na minha realidade”, relata o acadêmico, que além de estudante de medicina em residência cursando o 9º período, também exerce a profissão de professor. “Para fazer a pesquisa procurei algum grupo, que eu pudesse verificar essa realidade. Resolvi então, pesquisarentre policiais militares, já que sofremcom estresse cotidiano e vivem em condições emocionais extremas”, complementa o pesquisador.

Questionado sobre a relevância do seu trabalho científico, Walberdesmonstra que a importância de sua investigação reside em chamar atenção das autoridades e da sociedade para a necessidade dos cuidados com saúde mental do Policial Militar. Reforça que estes profissionais precisam de condições para a manutenção do bem-estar emocional e psicológico para poder desempenhar o seu papel funcional, assim como outros profissionais. “Os policiais estão diariamente expostos à situação de riscos e precisam ser cuidados e acompanhados nesse sentido”, diz o pesquisador.

Pedro Mario, professor no curso de Medicina da UFMA, orientador do trabalho, salientou que “é importante que isto seja socializado, não o termo ‘Burnout’, mas o que isso representa, a sua definição, seu significado e a importância de sua compreensão para o empresário, para o gestor e para trabalhador. Precisamos informar que isso existe para provocar uma atitude da sociedade em torno do mundo do trabalho”. Para ele, isso modifica a conjuntura das empresas que devem também se preocupar com a saúde mental, uma vez que isso influência diretamente na produtividade.

Walber usou como método para coleta de dados um questionário elaborado e adaptado por ChaficJbeili, inspirado no Maslach Burnout Inventory(MBI), que avalia três dimensões: exaustão emocional (EE), despersonalização (DE) e baixa realização profissional (RP). O questionário é composto por 20 questões que avaliam as características psicofísicas em relação ao trabalho, cujo resultado é uma pontuação que são integradas com níveis.De 21 a 40 pontos, indica-se a possibilidade de desenvolver Burnout. De 41 a 60 pontos, se demonstra que há uma fase inicial da Burnout em curso. De 61 a 80 pontos aponta-se que a Burnout começa a se instalar. De 81 a 100 pontos já se a presenta uma fase desenvolvida e considerável da Burnout.

A pesquisa levou cerca de um ano e meio até ser concluída. “Esse questionário foi aplicado entre oficiais, sargentos e soldados, incluindo quem trabalhava mais intensamente dentro, assim como fora da sede do batalhão, sob escolha aleatória de indivíduos, cuja amostra foram de 124 pessoas de ambos os sexos”, pontua o pesquisador.

De acordo com os dados apresentados em seu trabalho, a faixa etária pesquisada varia de 21 a 40 anos, com maior prevalência de profissionais com idade entre 31 e 40 anos (43,5%), seguidos pela faixa etária de 21 a 30 anos (33,1%). Somente 23,4% dos entrevistados encontravam-se no grupo superior a 40 anos. Em relação ao gênero, destacou-se apredominância do sexo masculino, que representava 80,7% (100 homens) enquanto o feminino 19,3 (24 mulheres).

A maior parte dos entrevistados (36,3%) apresentavam chance de desenvolver Síndrome de Burnout. 22,6% deles demonstraram sinais de possivelmente estar em fase inicial da doença. 20,2% dos participantes, não apresentaram nenhum indício de Burnout. Entre os resultados mais preocupantes, 12,9% já continham sinais de instalação da síndrome, e 8,1% poderiam estar em fase considerável, como aponta os resultados abaixo advindos da pesquisa de Walber.

Quanto ao gênero, os dados mostram que em relação ao sexo, quase nenhuma mulher apresentava indícios da síndrome, porém Walber alerta que em outras pesquisas, há sim, a presença da síndrome em mulheres em níveis até elevados de contingente. Entretanto, quando se compara ao sexo masculino na realidade investigada, 50% possuía algum sintoma, e 50% não. A explicação dada para a baixa incidência entre policiais do sexo feminino, no caso investigado, se dá provavelmente devido ao fato de estarem distribuídas em atividades que necessariamente não envolvem o contato com funções operacionais de risco. Enquanto os homens poderiam apresentar justamente uma incidência maior da síndrome e de vulnerabilidade a ela por estarem, em sua maioria, alocados para postos em que há a possibilidade de conflito direto e expostos a níveis de estresse mais altos. 

Entre os mais afetados estariam o grupo de casados, uma vez que têm um acúmulo de responsabilidades familiares envolvidas e desequilíbrios advindos dessa convivência. Os casados, portanto, têm maior exposição à síndrome devido ao acumulo de fatores estressores, discordando de outras pesquisas, em que existem resultados contrários, apontando que casados, por terem um senso responsabilidade desenvolvido, seriam menos vulneráveis.

Foi levado também em consideração o tempo de profissão, verificando-se que os sinais de desgaste emocional e profissional se iniciam a partir dos 4 anos de trabalho como policial. De acordocom a pesquisa do estudante de medicina,isso sinaliza um desgaste precoce entre esses trabalhadores. Além da irregularidade para o descanso que é comum à essa e outras profissões, tornando os policiais ainda mais vulneráveis nesse sentido.

Portanto, os dados são um indicativo de que existe uma necessidade de acompanhamento e cuidados no que diz respeito à saúde mental dos militares, e isso, não é uma demanda local, de acordo com o pesquisador, é um questão que paira no cenário nacional, que se reflete também em nossa região. As estatísticas em nossa realidade, embora não sejam demasiadamente alarmantes, já evidencia um quadro em que essa carência precisa ser sanada no sentido de assistir esses profissionais da segurança que estão em situação de vulnerabilidade.

Muitas pessoas que apresentam um ou mais estágios de Burnout, são estigmatizadas socialmente, excluídas e tratadas como pessoas tóxicas ou problemáticas, e isso faz com que o isolamento, que é uma característica já mencionada da síndrome, seagrave ainda mais em virtude da exclusão social.Walber alerta que esse estado em pessoas com a síndrome, escondem no fundo uma tentativa de defesa e que o indivíduo não possuindo condições emocionais para instrumentalizar outras formas de agir, acaba simulando atitudes ríspidas. Porém reforça, que quando for notado um conjunto de comportamentos que indicam algo errado ou estranho à personalidade do indivíduo, o correto é buscar uma via de diálogo, procurando entender o que está acontecendo, e principalmente, estar à disposição para ouvir sem formalizar julgamentos, entretanto, é preciso trazer a pessoa para própria realidade.

O primeiro passo para tratar-se é o reconhecimento e aceitação do problema, relatam Pedro Mario e Walber.A síndrome causa dificuldade na pessoa afetada para compreender o estado que se encontra, não sendo raro os pacientes que têm resistência inicial em modificar a própria rotina, até que aconteça um colapso e a pessoa realmente entenda que precisa se reeducar e reajustar a sua rotina para um tratamento eficaz.Walber relata que “temos vários papéis sociais que criamos ao longo da vida e precisamos dar vazão a eles. Não existe apenas o trabalhador dentro de nós. Quando isso toma a centralidade da vida, já é um alerta para nos cuidarmos. Você tem que fazer o exercício de vestir o policial militar durante o trabalho, mas quando terminar, precisa você tirar essa ‘roupa’ de policial. Isso serve para os profissionais de outras áreas também”.

Pedro Mario e Walber orientam a buscade ajuda na unidade básica de saúde mais próxima para encaminhamentos ao CAPS, nos casos em que a pessoa não tem condições de acesso a serviços particulares. O tratamento é baseado em diversas esferas de atuação, que vai do uso de medicação, de acordo com a avaliação médica, além de terapia. “É recomendável um acompanhamento multiprofissional, além do tratamento psiquiátrico e psicológico, o que pelo SUS ainda é problemático e precário”, informa Pedro Mario.

Métodos complementares podem ser utilizados como forma de auxiliar nos efeitos e ajudar na eficácia do tratamento, como atividades físicas, grupos de terapia, reeducação da rotina ou práticas como a meditação, yoga, massagem, acupuntura e atividades relacionadas ao relaxamento podem contribuir. Pedro Mario, diz que socialmente a melhor forma de contribuirmos,enquanto pessoas próximas ao problema,é aprendermos a ouvir e deixar que o outro se descarregue. Segundo ele, uma simples conversa pode ajudar a transformar a pessoa, assim como, um paciente que vai a um consultório, depois de ser ouvido atenciosamente pelo médico e orientado com cuidado por ele, isso muda seu estado de espírito e como ele reage frente ao seu problema.

Walber aconselha que não se deve encarar o problema sozinho, é preciso buscar ajuda em todas as esferas em que houver auxílio e resultados, assim como da família e colaboração dos amigos.De acordo com o estudante de medicina, outra parte de suma importância, é que o ambiente de trabalho também se adeque e faça melhorias em torno das relações ali estabelecidas. Pedro Mario, diz que é possível buscar ajuda mesmo meios alternativos, desde que idôneos e que colaborem para o restabelecimento do equilíbrio do sujeito e o aproximem cada vez mais da compreensão real do seu problema.

Tanto para Walber, quanto para Pedro Mario, a exposição aos fatores estressores entre os policiais deve ser reconhecida e não ignorada socialmente. Embora não podendo evitar tudo nesse sentido, aconselham, que ao menos, mecanismos auxiliares sejam aplicados no acompanhamento em torno da manutenção da saúde mental desses profissionais, informando-os sobre isso. O mesmo se aplica em outras áreas.

Todos precisamos estar atentos aos fatores de vulnerabilidade em nossa rotina de trabalho e aos níveis de estresse com os quais lidamos. O pesquisador, encerra dizendo que pretende dar retorno dos resultados de seu trabalho no local investigado assim que encerrar sua residência, e colaborar de alguma forma no que for necessário.

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